12.11.06

Mário Zan morre aos 86 anos


Zan foi um dos maiores autores de música caipira do país. Paradoxalmente, não era brasileiro. Nasceu em Veneza, Itália, e veio ao Brasil com 4 anos. Começou a tocar profissionalmente com 13 anos e sua carreira mostra números impressionantes: 200 músicas gravadas (mais de cem compostas por ele mesmo), 300 discos de 78 rotações, 110 LPs e mais de 50 CDs. Também foi o autor dos hinos de comemoração dos 400 e 450 anos da cidade de São Paulo.

Uma de suas músicas mais conhecidas é "Chalana", que fez sucesso com Almir Sater na época da novela Pantanal. Outro feito: "Nova Flor" foi gravada por diversos artistas sulamericanos com o nome de "Los hombres no deben llorar". Fez muito sucesso no exterior e voltou ao Brasil com uma versão gravada por Roberto Carlos, chamada "Os homens não devem chorar".

Com um currículo desses, Mário Zan poderia ter tido uma velhice bem tranqüila, mas, como ele dizia, o Brasil é uma esculhambazón e, assim, ele ainda tocava sua sanfona pra ganhar uma graninha mesmo após os 80 anos de idade.
Morreu na quinta-feira (9/11), de insuficiência respiratória, e foi enterrado ao lado da Marquesa de Santos, no cemitério da Consolação, em São Paulo.

31.10.06

Livro: José Hamilton Ribeiro - Música Caipira - as 270 maiores modas de todos os tempos


Comprei o livro meio ressabiado. Afinal, pra quê ler um livro com listas das melhores músicas caipiras que sequer traz as letras completas das músicas? O autor justifica a edição na página 70 ao afirmar: "O repertório da música caipira é um tesouro da música brasileira. Significa, no mínimo, o registro poético de um momento da vida de parte do nosso povo. Um momento criativo, documental, de valor histórico e cultural. Aqui se faz um esforço para a seleção de algumas pedras preciosas dessa mina."
Seria pouco, se o livro não fosse tão recheado de ótimas histórias sobre cada autor e muitas das músicas. Estão ali histórias interessantíssimas por trás da composição de clássicos como Chico Mineiro:
"... Em suas memórias, Tonico e Tinoco contam que conheciam a lenda do Chico Mineiro desde crianças. Era uma história que variava conforme a origem de quem contava. Se fosse de São Paulo, era Chico Paulista, se fosse de Goiás, era Chico Goiano. Optaram por Chico Mineiro por sugestão do porteiro da TV Tupi, onde trabalhavam. Esse porteiro, Francisco Ribeiro, é co-autor da toada que há mais de meio século é pedida em qualquer cantoria da música caipira no País. Chico Mineiro é, então, na origem, uma fábula sem autor, uma criação anônima do povo, um saber da terra que um dia o engenho de artistas antenados transformaram em peça reconhecida."
É verdade que o livro cita várias passagens de outros livros, como Da roça ao rodeio, de Rosa Nepomuceno, e A moda é viola, de Romildo Sant'Anna, referências no estudo e na documentação da história da música caipira, além da biografia de Tonico e Tinoco, Da beira da Tuia ao Teatro Municipal, mas não se pode dizer que o livro é derivativo. Ainda por cima, José Hamilton Ribeiro escreve de forma muito leve, como se conversasse com o leitor numa varanda do interior, com o som de uma viola ponteando ao fundo, tornando a leitura muito agradável. Para quem quer começar a conhecer a música caipira brasileira, este livro pode ser um bom ponto de partida. Além das histórias fascinantes, as listas oferecem um verdadeiro mapa da mina para o neófito ir atrás do que interessa: a música.

10.10.06

Nestor da Viola - Solos de Viola Caipira


As únicas músicas de autoria de Nestor da Viola neste CD são a valsinha Estrela da Manhã e Folias de Reis. A primeira traz harmônicos bem colocados e inusitados e a segunda segue o rítmo da folia num andamento mais alegre - uma saída interessante para apresentar esse estilo eminentemente vocal, de andamento arrastado (e muitas vezes cansativo), num contexto instrumental.
As outras faixas são todas clássicos da viola, boa parte deles bem "velha guarda" (anos 40, 50), ou seja, a viola é bem lírica, bem próxima ao belcanto da época. Merecem destaque Rainha do Paraná, em que a viola e o violão de Zino Brito mostram boa interação, e Rei do Café, a famosa moda, na qual a viola faz as vozes dos cantadores e o violão fica ponteando. É a versão menos convencional do CD e bastante diferente do que se costuma ouvir no estilo.
Pessoalmente, eu preferiria ouvir um CD só com músicas novas desse ótimo violeiro, mas pode-se aprender um bocado ouvindo as versões de Nestor da Viola.

30.6.06

Vanuque & Nestor da Viola - Viola Sertaneja vol. 1


Procurando por outros registros do violeiro Vanuque, encontrei este CD com interpretações dele e de Nestor da Viola para clássicos da música caipira. Neste trabalho, as versões de Vanuque são bastante corretas, evidenciando respeito pelas versões originais. Músicas como "Chalana" e "Índia" são tocadas com o lirismo e o uso de trêmolos característicos da música brasileira mais antiga, pré-bossa nova. O momento menos convencional e mais empolgante do violeiro é o balanço nordestino de "O Último Pau de Arara".
As interpretações de Nestor da Viola são mais interessantes e inventivas. "Menino da Porteira" mostra um ponteado elegante e suingado, com trinados que são uma marca pessoal do violeiro. Em "Moreninha Linda", ele não apenas repete a melodia, mas a reinterpreta adicionando novas cores e dinâmicas. Este domínio da melodia também se ouve em "Mula Preta", que também apresenta harmônicos que deixariam Tião Carreiro orgulhoso. Em "Rei do Gado", ele substitui as vozes dos cantadores por ponteios cheios de alma, em andamento livre e criativo. É sem dúvida o ponto alto do CD e mostra que, mesmo num trabalho calcado em clássicos, é possível imprimir individualidade e dar sabor de novidade a músicas manjadas.
Não posso deixar de mencionar a bola fora da gravadora, que, pra variar, não dá crédito aos músicos que acompanham os dois violeiros.
É verdade que este é "mais um CD com versões para clássicos da música regional", mas as versões são bacanas e o trabalho todo é inspirador, no sentido de mostrar as possibilidades do instrumento para tratar melodias.

21.4.06

Vanuque - As Mais Famosas Modas de Viola


Minha esposa me deu este CD de presente já há algum tempo, comprado numa daquelas baciadas de supermercado por 7 pilas. A capa horrorosa, que, além do projeto gráfico amador, mostra um violão de 12 cordas (num CD de viola caipira!) não ajudou na primeira impressão, e, como eu nunca tinha ouvido falar desse tal de Vanuque, coloquei o CD pra tocar com duas pulgas atrás da orelha.
Mas que surpresa: o cara é demais!
Ana é a única música de autoria do violeiro e não faz feio ao lado dos clássicos da música caipira que ele escolhei pra compor o CD. Além do repertório escolhido a dedo, Vanuque presta homenagem aos grandes pioneiros da viola instrumental: Pau Brasil, de Gedeão da Viola, e Brincando com a Viola, de Bambico, são impecavelmente executadas (na verdade, a versão de Pau Brasil é superior à original), e Tião Carreiro é lembrado com uma Seleção de Pagodes , como as que o mestre fazia em seus discos instrumentais, só com os ponteios dos pagodes-de-viola.
O que mais chama a atenção á a forma como Vanuque domina como poucos os recursos expressivos da viola. As melodias singelas do cancioneiro caipira são coloridas com trinados impecáveis (como em Saudades de Matão, por exemplo), notas abafadas e em staccato de muito bom gosto, slides, vibratos e trêmolos executados com precisão e, ao mesmo tempo, de maneira emocional.
Procurei informações sobre ele na internet e não achei quase nada - apenas no site do Gedeão da Viola uma menção como contemporâneo deste - ou seja, não é nenhum novato). De qualquer modo, Vanuque é um grande violeiro e suas interpretações irrepreensíveis pedem várias audições desse CD bacana.

3.4.06

Duetando

Este exercício é a primeira coisa que eu toco quando pego a viola. Além de servir como aquecimento, seus slides e mudanças de posição são ótimos pra aperfeiçoar a clareza e a precisão do ponteio. Não é de difícil execução, mas tocá-lo acima de 100 bpm é mais complicado do que parece.

http://www.geocities.com/violaeletrica/tablaturas2.htm

20.3.06

Dedeiras (como conseguir um timbre legal sem deixar as unhas crescerem)

Não gosto de deixar as unhas compridas (tenho verdadeira aflição, só Freud explica), que é o ideal pra se tocar viola caipira e outros instrumentos fingerstyle. Muitos violeiros usam uma dedeira no polegar, o que resolve parte do problema, mas o timbre dos pares de cordas tocados com os dedos fica ruinzinho. Bom, vai daí que eu fiz algumas pesquisas pra achar a dedeira ideal. Eis aqui o resultado:
A primeira coisa que percebi é que as dedeiras para o polegar deixam uma saliência muito grande em relação ao dedo. Cortando e lixando a ponta, dá pra tocar com o polegar quase colado às cordas, o que facilita os saltos de cordas.
Mas o timbre ainda assim estava ruim. Minha viola é do tipo cinturada, pequena, o que deixa as cordas menos tensas do que uma viola "clássica", que tem o tamanho de um violão. Ao bater nas cordas com a dedeira, o som saía com ruídos e trastejamentos. Resolvi esse problema colando (com cola de contato) uma palheta de Nylon da Dunlop (.67mm) em uma dedeira Galli da qual eu cortei a ponta. O timbre melhorou um absurdo.
Para o indicador eu experimentei dedeiras de plástico e de metal. Dá pra usá-las "coladas" à ponta do dedo ou com uma certa folga, o que dá um timbre até melhor (vi fotos do James Burton e da Bonnie Raitt usando-as assim, com as pontas mais distantes do dedo), mas, de um jeito ou de outro, não dá pra fazer as batidas clássicas de música caipira que exijam movimentos do indicador pra cima e pra baixo, pois a dedeira engancha nas cordas.Aí eu bolei uma "unha". Cortei e lixei uma dedeira de plástico e a deixei reta usando água fervida (que amolece o plástico e permite que ele seja moldado). Primeiramente tentei usar em cima da minha unha, mesmo, mas depois a coloquei embaixo do dedo. Ficou ótimo. É como ter uma palheta na ponta do indicador.
Se este texto incrivelmente prolixo deixou alguma dúvida sobre as dedeiras hand made, aí vão algumas fotos:

Esta mostra a ponta que fica pra fora do dedo na "polegarzeira". O timbre fica bom e dá pra tocar bem junto às cordas.


Esta mostra a palheta colada na dedeira do polegar, a dedeira de metal no indicador e minha primeira versão da "unha" no dedo do meio.



No indicador, a "unha" invertida. Notem que a saliência é bem pequena em relação à ponta do dedo. No outro dedo, uma dedeira de plástico original (esta eu ganhei do Bob Brozman). A Bonnie Raitt toca com ela assim.


Estou usando assim, hoje. Dá pra fazer os batidões da música caipira com o polegar e o indicador em movimentos ascendentes e descendentes e o timbre fica legal.

6.3.06

E, falando em transcrições...


... como é que eu fui me esquecer de mencionar o Fernando Deghi?
Esse grande violeiro e divulgador da viola caipira coloca (quase) semanalmente duas transcrições para serem gratuitamente baixadas em seu site, um pagode do Tião Carreiro (geralmente só o ponteio) e uma moda de viola. Arquivos em PDF.

27.2.06

Transcrições - Marvada Pinga, O Mineiro e o Italiano e Pau Brasil


Coloquei no Viola Elétrica duas novas transcrições: a moda O Mineiro e o Italiano e o batuque Marvada Pinga. Também fiz um arranjo para Pau Brasil um pouco diferente do que a versão que estava no site. Os arquivos estão em PDF (Acrobat) e em PTB (Power Tab - um programa bacana que toca a transcrição em MIDI). Se você baixar o arquivo PTB, Marvada Pinga e Pau Brasil têm, além da viola e do violão acompanhando, uma linha de baixo.
O link: http://www.geocities.com/violaeletrica/tablaturas2.htm

Viola nova na área!


Fazia tempo que eu estava atrás de uma viola mais versátil. A Rozini Flat que eu comprei tem tensor regulável e cutaway, o que vai facilitar enormemente minha vida, além de tampo maciço (spruce) e tarraxas inacreditavelmente boas para um instrumento nessa faixa de preço. Como nem tudo são flores, tive que ir atrás de uma chave allen de 3/16" que não se acha em lugar algum pra regular o tensor (todos os tensores dos meus outros instrumentos são de 5mm) e precisei lixar o rastilho pra deixar as cordas numa altura adequada, mas agora ela já está uma manteiga pra tocar. Minha outra opção era uma Giannini com as mesmas características, mas ela tinha um pré Fishman que a deixava quase três vezes mais cara.
Sempre torci o nariz para a Rozini, pois os instrumentos desta fábrica que toquei me soaram "duros", sem ressonância e mal acabados. De uns tempos pra cá, porém, notei uma grande melhora nas violas e esta Flat (lançada no ano passado) foi uma boa surpresa.

19.2.06

A casa é simples mas a gente somos trabalhador


Há alguns anos eu descobri a música caipira brasileira, comprei uma viola e comecei a aprender a tocar umas modas e ponteios. Encontrei mais material a respeito do instrumento e da música de raiz em geral do que eu esperava, então criei um site pra dividir estas informações. Minha intenção com o Viola Elétrica era colocar mensalmente textos sobre música caipira, resenhas de CDs, publicações e equipamentos e, principalmente, transcrições de músicas. O único problema é que, pra manter o site interessante e atualizado, eu tinha muito trabalho e, como o tempo era curto, fiquei um tempão sem adicionar conteúdo a ele.
Mas, a vontade de falar sobre música é grande e o blog me parece um meio mais rápido e informal pra manter as coisas em andamento.
Então, a partir de agora, textos sobre música caipira (de raiz ou feita por grupos contemporâneos), viola, e minhas composições vão ser colocados aqui.

Publiquei este texto no VIOLA ELÉTRICA em dezembro de 2004. Pra quem tá chegando agora, é uma boa introdução ao que vai aparecer aqui no blog:

A Viola e Eu
Em 2001, eu estava cansado da música que vinha ouvindo, passei a procurar novos sons e encontrei a música caipira brasileira.
O engraçado é que eu não tinha motivo algum pra gostar de música caipira. Não nasci e nem tenho parentes no campo. Meu contato com a música caipira até dois anos atrás era praticamente nenhum e moro em uma cidade industrializada e claustrofóbica (São Paulo, a selva cinzenta), ou seja, sou alguém "sem raiz" no meio caipira. Mas tudo o que eu procurava estava lá: a emoção e a simplicidade, a autenticidade que só tem o que é verdadeiro.
Aí me veio um estalo que me levou em outra direção: Os americanos sempre souberam misturar música antiga, "de raiz", com vertentes mais modernas, tocando a história da música pra frente. E no Brasil? Seria possível que a música tradicional brasileira só tenha evoluído para o pop radiofônico de zezés e daniels? Será que ninguém teve a idéia de juntar música caipira e rock?
A idéia era tão boa que provavelmente alguém já tinha pensado nisso. Fui atrás e encontrei um mundo de gente com um pé na tradição e outro em linguagens musicais contemporâneas, universais. Em julho de 2002, fiquei sabendo que o Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, promoveria um Sarau Paulista de Viola, com diversos grupos tradicionais e outros que usavam a música caipira dentro de uma abordagem contemporânea.
O evento, que durou o mês inteiro, encheu meus ouvidos de coisa boa. Violeiros como Vinicius Alves, Ivan Vilela e Pereira da Viola e bandas como Matuto Moderno e Fulanos de Tal me mostraram que algo muito singular estava acontecendo ali. Apesar da intenção de fazer música nova, não se queria romper com o passado; o respeito pela tradição era enorme.
Com o tempo, vi que esse pessoal se enxerga como parte de uma coisa só. Existe até um embasamento teórico e uma inteção de se passar para a mídia e o público a idéia de que há um "movimento", mas eu percebi que, se o tal existe, é porque bandas e violeiros estão constantemente trocando informações, promovendo-se mutuamente e participando de eventos e festivais pelo país, de forma eminentemente independente, sem apoio - e grana - de gente graúda.
A partir daí, fui atrás de bandas, CDs, livros, eventos e comprei uma viola caipira a fim de entender essa música que é velha e nova e toca o coração de tanta gente. Aí veio a idéia de colocar o Viola Elétrica no ar.
A cultura e a música caipira estão vivas e se adaptando aos novos tempos. Procuro reunir as informações que vou encontrando pelo caminho e quem sabe até fornecer um mapa para quem quiser saber mais sobre o assunto. Além disso, são raras as transcrições para viola caipira na Internet, daí a necessidade de se disponibilizar tablaturas e partituras aos novos violeiros que aparecem a cada dia.
O violeiro Paulo Freire sempre diz pra quem quiser escutar: "O sertão mora dentro de cada um de nós".
Eu encontrei o meu.